Só a Arte Garante Imortalidade

A arte oferece-nos a única possibilidade de realizar o mais legítimo desejo da vida - que é não ser apagada de todo pela morte. Agora que o espírito, tendo uma consciência mais segura do universo, se recusa a crer na capciosa promessa das religiões de que ele não acabará inteiramente, e irá ainda, em regiões de azul ou de fogo, continuar a sua existência pelo êxtase ou pela dor - a única esperança que nos resta de não morrermos absolutamente como as couves é a fama, essa imortalidade relativa que só dá a arte.Só a arte realmente pode dizer aos seus eleitos, com firmeza e certeza: - «Tu não morrerás inteiramente: e mesmo amortalhado, metido entre as tábuas de um caixão, regado de água benta, tu poderás continuar por mim a viver. O teu pensamento, manifestação melhor e mais completa da tua vida, permanecerá intacto, sem que contra ele prevaleçam todos os vermes da terra; e ainda que, fixado definitivamente na tua obra, pareça imobilizado nela como uma múmia nas suas ligaduras, ele terá todavia o supremo sintoma da vida, a renovação e o movimento, porque fará vibrar outros pensamentos e através das criações deles estará perpetuamente criando.
Mesmo o teu riso, de um momento, reviverá nos risos que for despertando; e as tuas lágrimas não secarão porque farão correr outras lágrimas. Ficarás para sempre vivo, para te misturares perpetuamente à vida dos outros; e as mesmas linhas do teu rosto, o teu traje, os teus modos, não morrerão, constantemente rememorados pela curiosidade das gerações. Assim, não desaparecerás nem na tua forma mortal: e serás desses eternos viventes, mais eternos que os deuses, que são os contemporâneos de todas as gerações, e vão sempre marchando no meio da humanidade que marcha, espíritos originais a que se acendem outros espíritos, para que se não apague o fogo perene da inteligência - iguais a essas quatro ou cinco lâmpadas que leva a grande caravana de Meca, para que a elas se acendam lareiras e tochas, e a caravana possa sempre marchar, orando sempre, e segura.
Eça de Queirós, in 'Prefácio dos «Azulejos» do Conde de Arnoso'

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